Chevette-Lotus - Uma aventura com 140cv

 Por Bob Sharp - Autoentusiastas Classic



O Luiz Dränger é um velho amigo, só oito anos mais novo do que eu e um tremendo de um entusiasta de automóveis.

Em 1974, após terminar a faculdade (FEI, engenharia mecânica automobilística), foi fazer um curso de pós-graduação na Inglaterra. Lá ele comprou um Fusca 1600 amarelo, com para-brisa curvo e McPherson na frente (o 1303) e se deu muito bem com volante do lado direito.

Ficou em Londres quase um ano e como morava em Brighton (95 km ao sul de Londres) ia de trem à capital e deixava o Fusca guardado. Economia de Primeiro Mundo. Nos finais de semana, se não houvesse o que fazer em Londres, ia até Amsterdã de Fusca, uma viagem de 600 km. Às vezes parava em Bruxelas, no meio do caminho. Não era fácil com 24 anos de idade viver sozinho no exterior.

Precisava de novas emoções e como era ligado ao automobilismo, pesquisava tudo e, escondido do pai e fazendo malabarismos com a pouca grana que tinha, se inscreveu em um curso de pilotagem de monopostos F-Ford na escola do Jim Russell. Os finais de semana eram chatos e ele procurava uma atividade. O curso foi básico, saiu-se médio na turma, nem o melhor nem o pior piloto.

Na época a Lotus estava lançando um motor baseado no do Ford Cortina, 1.600-cm³, cabeçote de alumínio com duplo comando, carburadores duplos Weber ou Dell’Orto 40 e 140 cv. Depois de andar em um monoposto com este motor, e terminando o curso, ele conseguiu uma recomendação do Jim para visitar a Lotus e, já pensando na volta para o Brasil, só conseguia pensar naquele motor.

Pegou um trem e lá foi ele a Hethel. Foi superbem-recebido pela gerente de marketing, fez um tour pela fábrica e falou do seu interesse em comprar um motor Lotus Big Valve para levar para o Brasil. Era viável e conseguiu comprar um motor completo por 400 libras, o equivalente ao custo da preparação de um motor VW no Brasil. Ele queria carburadores Weber, mas eles só tinham Dell’Ortos disponíveis. Fechou o negócio.

A surpresa foi quando a gerente de Marketing chamou-o na sala do Colin Chapman! Ele lhe perguntou o que eu iria fazer com o motor e Luiz respondeu que havia no Brasil só Fuscas, com motores diversos até 2.000 cm³ e ele queria inovar, já que havia novos lançamentos de carros no Brasil (Chevette, Dodge 1800, Passat) e o que ele pretendia seria adaptar o motor em um desses. Ele riu e me recomendou o Chevette, cópia do Vauxhall inglês. E arrematou com essa: “Você vai vivenciar o que nós vivenciamos aqui com o Ford Cortina Lotus.”

Foi um momento de êxtase para o Luiz. Depois disso ele pediu a um funcionário para levá-lo para dirigir o Lotus Elan com o motor que ele queria. Foi o máximo, ele já estava querendo comprar o carro em vez de só o motor, mas seus recursos eram limitados.

A próxima tarefa seria avisar o pai sobre a compra, providenciar a documentação para importação etc. Para convencer seu pai, Luiz acenou com a ideia de montar um negócio, que seria um começo, pois, caso desse certo, ele pretendia montar uma linha de Chevette-Lotus para venda, embalado no sucesso da Dacon com as Brasilias e os Passats personalizados.

Seu pai, o grande patrocinador, comprou a idéia e assim que Luiz chegou de volta ao Brasil, autorizou-o a comprar um Chevette zero-bala (com ágio, na época). Achou um verde Tubarão 1974 (era mais BRG, British Racing green) e aí começou a epopéia.


CHEVETTE, LOSACCO E TONI BIANCO

Quem instalaria o motor? As necessidades eram: flange para acoplar na caixa de câmbio, inversão do cárter de óleo e coletores de escape (4x2). Luiz recorreu ao meu amigo Vinicius Losacco, que lhe indicou o Toni Bianco. Conversa vai e vem, começou o trabalho. Foram três meses de ansiedade para sair com a barata. O pai reclamava que a brincadeira toda tinha custado o equivalente a um Galaxie na época, mas quando andou no carro, tudo foi para o espaço, terminou a crítica.



O Chevette, com as marchas curtas originais, ficou um canhão. Girava 7.800 rpm em quarta. Foram experimentar em Interlagos, no traçado antigo e Luiz, “braço duro”, virou em 3min40s cronometrado pelo fiel amigo Edmar, seu “irmão” na FEI e que trabalha com o Losacco até hoje. Aí o Vinicius pegou o carro e virou em 3min25s. Estavam vidrados no recorde da pista de 3mi37s, do Ciro Cayres no Maserati-Corvette. Bateram-no!

A atividade comercial de fazerem carros em série não foi para frente, pelo custo envolvido. Foi um fracasso comercial, mas o carro fez história em São Paulo.


AS AVENTURAS DO CHEVETTE-LOTUS

Por fora, o Chevette foi mantido igual ao original, exceto por rodas um pouco mais largas (tala 5,5 pol.), porém mantendo o desenho original e calotas, com pneus Cinturato.

Observadores atentos notariam o cano de escapamento saindo do lado oposto. Dentro, somente um volante Moto-Lita e um instrumento Smiths duplo, de temperatura e pressão do óleo, que foi colocado dentro do painel no lugar do medidor do nível de combustível. Era preciso anotar quando o tanque era enchido e podia-se rodar, com segurança, 250 km. Um dia o carro parou na rua por falta de gasolina. Luiz o tinha emprestado para seu irmão e esqueceu de avisá-lo. Bom, marcador de gasolina era acessório e ele não queria botar algo em baixo do painel.

Ele tinha um grande amigo da época da faculdade, o Bié, que trabalhava na Honda e tinha uma 750 Four. Na arrancada ele levava, mas largando a 120 km/h o Chevette-Lotus levava. Era talvez o carro mais rápido que havia por aqui. O Bié tinha um Corcel 1.500-cm³ preto impecável. Ele morava na rua Itacolomi em uma casa em frente ao apartamento do Bird Clemente, que na época usava um Alfa GTV 1750. A diversão do Luiz e do Bié era esperar o Bird sair e dar um pau no Alfa. Talvez o Bird nem se lembre disso, mas era muito divertido.

Luiz costumava sair da FEI e visitar o Ciro Cayres no sítio dele em São Bernardo do Campo, que era bem perto. Um belo dia foi com o Chevette e disse-lhe que não tinha nada que andasse com ele. O Ciro ficou injuriado e contou-lhe que o Eugênio Martins tinha posto um motor 4100 no Chevette e que tinha sabido que levou pau do dele! Ciro tinha desenvolvido um canhão, o Opala 250-S.

Foi um desafio engraçado: perto da meia-noite, o Ciro, de pijama vermelho com bolinhas brancas, calçou um mocassim de cromo preto e saiu com o 250-S para um racha com o Chevette-Lotus na Via Anchieta. O desafio era sair do trevo da Vera Cruz (km 18), ir até o trevo da VW no km 24. Ele tomou um pau homérico, perdeu o Chevette de vista.

No dia seguinte ele ligou para o Luiz, da GM, perguntando se ele emprestaria o carro para um teste. Claro que o Luiz emprestou, e os resultados com a 5ª roda foram: 0-100 km/h em 6;9 s e máxima de 206 km/h a quase 8.000 giros em quarta.

Luiz diz ter grandes saudades do Ciro, um grande amigo que lhe contou histórias que faz um apaixonado pelo automobilismo ficar em êxtase. Um cara que fez tudo o que queria na vida. Já no fim, muito doente, tirava a máscara de oxigênio para fumar um cigarro. Foi o máximo. Saudades!

Luiz ia para a faculdade com o carro sempre de pé embaixo, mas o problema era quando cruzava com o Ciro Aliperti, que tinha um Porsche 911 2.7 com dupla ignição. Era o único carro para o qual o Chevette-Lotus perdia. Ele fazia o mesmo caminho que o Luiz, Av. Indianópolis para pegar a Anchieta e sempre se cruzavam. Ele devia olhar de forma estranha para o Luiz e pensar: ”Quem é esse moleque?”. Depois se tornou sócio do tio do Luiz, o Nuno, e deram boas risadas. Mas o Porsche dele era insuperável na época.


A TROCA E O FINAL

Depois de dois anos e meio com o Chevette, Luiz se cansou! Já estava gastando 1 litro de óleo a cada 1.000 km, ele já estava casado e sua mulher falava direto, “Deixa de ser criança”. Um primo no Rio, o João Carlos, tinha uma concessionária Chrysler e quando Luiz comentou que queria trocar de carro, ele propôs uma troca pau-a-pau por um Dodge Dart Grand Sedan preto, 4 portas, com direção hidráulica, ar-condicionado etc. A esposa ficou superfeliz, mas ele se sentia o coveiro do bairro. O carro era horrível, balançava, não fazia curva com aquele feixe de molas na traseira, mas como era confortável! E a mulher estava feliz, dera tudo certo.

Na época, Luiz trabalhava em um distribuidor de autopeças cujo dono ficou injuriado com o Dart. Como um funcionário que era, o gerente de vendas tinha um carro mais classudo que o Maverick V-8 dele...

Não se sabe o paradeiro do Chevette-Lotus e nem se ainda existe.

BS

Projeção da aparência do Chevette-Lotus de Luiz Dränger


(Adaptação de relato de Luiz Dränger a Bob Sharp)

(Fotos atualizadas em 7/06/09; digitalizadas profissionalmente agora por iniciativa do Luiz)

Matéria disponível em: CHEVETTE-LOTUS - AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

(Fotos melhoradas por IA em 22/12/2022 por @TocaDoChevette)

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